10.8.08

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— Pobre minuto! exclamou. Para que queres tu mais alguns instantes de vida? Para devorar e seres
devorado depois? Não estás farto do espetáculo e da luta? Conheces de sobejo tudo o que eu te deparei
menos torpe ou menos aflitivo: o alvor do dia, a melancolia da tarde, a quietação da noite, os aspectos
da terra, o sono, enfim, o maior benefício das minhas mãos. Que mais queres tu, sublime idiota?
— Viver somente, não te peço mais nada. Quem me pôs no coração este amor da vida, se não tu? e,
se eu amo a vida, por que te hás de golpear a ti mesma, matando-me?
— Porque já não preciso de ti. Não importa ao tempo o minuto que passa, mas o minuto que vem. O
minuto que vem é forte, jocundo, supõe trazer em si a eternidade, e traz a morte, e perece como o outro,
mas o tempo subsiste. Egoísmo, dizes tu? Sim, egoísmo, não tenho outra lei. Egoísmo, conservação. A
onça mata o novilho porque o raciocínio da onça é que ela deve viver, e se o novilho é tenro tanto
melhor: eis o estatuto universal. Sobe e olha.
Isto dizendo, arrebatou-me ao alto de uma montanha. Inclinei os olhos a uma das vertentes, e
contemplei, durante um tempo largo, ao longe, através de um nevoeiro, uma coisa única. Imagina tu,
leitor, uma redução dos séculos, e um desfilar de todos eles, as raças todas, todas as paixões, o tumulto
dos impérios, a guerra dos apetites e dos ódios, a destruição recíproca dos seres e das coisas. Tal era o
espetáculo, acerbo e curioso espetáculo. A história do homem e da terra tinha assim uma intensidade
que lhe não podiam dar nem a imaginação nem a ciência, porque a ciência é mais lenta e a imaginação
mais vaga, enquanto que o que eu ali via era a condensação viva de todos os tempos. Para descrevê-la
seria preciso fixar o relâmpago. Os séculos desfilavam num turbilhão, e, não obstante, porque os olhos
do delírio são outros, eu via tudo o que passava diante de mim, — flagelos e delícias, — desde essa
coisa que se chama glória até essa outra que se chama miséria, e via o amor multiplicando a miséria, e
via a miséria agravando a debilidade. Aí vinham a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que
baba, e a enxada e a pena, úmidas de suor, e a ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o
amor, e todos agitavam o homem, como um chocalho, até destruí-lo, como um farrapo. Eram as formas
várias de um mal, que ora mordia a víscera, ora mordia o pensamento, e passeava eternamente as suas
vestes de arlequim, em derredor da espécie humana. A dor cedia alguma vez, mas cedia à indiferença,
que era um sono sem sonhos, ou ao prazer, que era uma dor bastarda. Então o homem, flagelado e
rebelde, corria diante da fatalidade das coisas, atrás de uma figura nebulosa e esquiva, feita de retalhos,
um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível, cosidos todos a ponto precário, com
a agulha da imaginação; e essa figura, — nada menos que a quimera da felicidade, — ou lhe fugia
perpetuamente, ou deixava-se apanhar pela fralda, e o homem a cingia ao peito, e então ela ria, como
um escárnio, e sumia-se, como uma ilusão.
Ao contemplar tanta calamidade, não pude reter um grito de angústia, que Natureza ou Pandora escutou sem protestar
nem rir; e não sei por que lei de transtorno cerebral, fui eu que me pus a rir, — de um riso descompassado e idiota.
— Tens razão, disse eu, a coisa é divertida e vale a pena, — talvez monótona — mas vale a pena. Quando Job amaldiçoava
o dia em que fora concebido, é porque lhe davam ganas de ver cá de cima o espetáculo. Vamos lá, Pandora, abre o ventre, e
digere
me; a coisa é divertida, mas digere-me.
A resposta foi compelir-me fortemente a olhar para baixo, e a ver os séculos que continuavam a
passar, velozes e turbulentos, as gerações que se superpunham às gerações, umas tristes, como os
Hebreus do cativeiro, outras alegres, como os devassos de Cômodo, e todas elas pontuais na sepultura.
Quis fugir, mas uma força misteriosa me retinha os pés; então disse comigo: — “Bem, os séculos vão
passando, chegará o meu, e passará também, até o último, que me dará a decifração da eternidade.” E
fixei os olhos, e continuei a ver as idades, que vinham chegando e passando, já então tranqüilo e
resoluto, não sei até se alegre. Talvez alegre. Cada século trazia a sua porção de sombra e de luz, de
apatia e de combate, de verdade e de erro, e o seu cortejo de sistemas, de idéias novas, de novas ilusões;
em cada um deles rebentavam as verduras de uma primavera, e amareleciam depois, para remoçar mais
tarde. Ao passo que a vida tinha assim uma regularidade de calendário, fazia-se a história e a civilização,
e o homem, nu e desarmado, armava-se e vestia-se, construía o tugúrio e o palácio, a rude aldeia e
Tebas de cem portas, criava a ciência, que perscruta, e a arte que enleva, fazia-se orador, mecânico,
filósofo, corria a face do globo, descia ao ventre da terra, subia à esfera das nuvens, colaborando assim
na obra misteriosa, com que entretinha a necessidade da vida e a melancolia do desamparo... "
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